Entrevista com o mendigo


Ele chegou e se sentou, pediu permissão para falar como fossemos eu e minha noiva autoridades daquele local. Logo que começou a falar se mostrou muito irritado com o pedinte que havia passado por nós segundos antes. “Vagabundo”, dizia em tom de revolta, reforçando com negativas com a cabeça. Puxou assunto. Começou dizendo que um homem precisa ter vergonha na cara, tinha que trabalhar. Morava na rua, mas trabalhava, não precisava pedir na da para os outros. Para provar abriu sua crteira, mostrou entre papeis amassados e notas sujas, um cartão do bolsa família. “Tenho meu dinheiro, vê se aquele vagabundo tem”. Afirmou que ajudava seu amigo, que se encontrava desmaiado no banco ao lado, que era doente, e “às vezes dá uns ataques”. Foi sincero em admitir que havia perdido tudo por causa da cachaça, pediu novamente permissão, desta vez para acender um cigarro. Enquanto tragava, falou de sua filha, e de como a degradação de sua vida através do álcool o fez morador de rua. Pediu licença, sorrindo pegou a garrafinha de pinga que estava dentro de uma sacola preta, bebeu, “vão chapar?”, sob nossas negativas voltou e continuou. Chorou ao lembrar que não havia perdido a fé, eram lágrimas sinceras, “rezo pela minha filha, meu amigo, por nós todos”, e por alguns instantes se calou. Perguntei se já tinha pensado em sair das ruas, e a resposta foi um sim indeciso. Minha noiva falou-lhe sobre o A.A, e novamente a sinceridade falou por ele, “o que adianta ir lá, se depois volto e bebo. Só melhora quem quer”. Quando perguntei sobre como era tratado em repartições públicas, foi enfático ao elogiar todos, desde a câmara ao posto de saúde. De repente mudou de assunto. Contou de seu problema de saúde, um buraco horrível em suas costas, que fez questão de nos mostrar, que dizia ser oriundo de uma facada mal curada. Iria ao Ascomcer fazer um enxerto. Novamente mudou a direção do papo, falou dos problemas da madrugada e contou casos curiosos. Minha noiva perguntou se tinha muitos perigos, disse “que não tenho medo de ninguém”. Falei sobre o problemas dos viciados, ele respondeu “esses malandros tem medo de mim”, e contou mais de suas aventuras pela madrugada, de como ajudou a polícia a prender um traficante, da mulher que faz ele ter que dormir no parque, “ela fica fazendo escândalo lá na Mister Moore, aí os moradores chamam a polícia. Para não ter que dar uma nela, venho dormir aqui.” As pessoas passavam e olhavam com aquele um ar de espanto, e nós nem nos importávamos. Minha noiva colocou todo seu dote como psicóloga para tentar arrancar o máximo que podia, eu agia da forma como tenho aprendido na faculdade. Fizemos uma pequena entrevista, muito interessante pelo lado humanístico dos moradores de rua. Uma chance de poder enxergar fantasmas da sociedade, e mesmo não saindo em um grande jornal, foi um aprendizado inestimável. Mesmo a contragosto tivemos de ir embora, pois estava chegando aquele momento em que “as ruas de Juiz de Fora à noite não são boas para ficar andando”, finalizou.

Em homenagem ao Sr. Walmir.

Comentários

  1. Esse senhor já me parou ali no Parque Halfeld uma vez que eu tava por ali sentada. Até ouvi o que ele tinha pra dizer, mas o buraco nas costas dele me incomodou demais. Acho uma tema muito bom e que pode ser explorado em nosso sétimo período. Que tal?

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  2. Penso que este texto homenageia a todas aquelas pessoas que passam por nós todos os dias e são de alguma forma ignoradas. além de dedicar o texto a ele deveríamos agradecê-lo pelo tempo que dedicou a nos contar suas histórias que inclusive são interessantes e com mais conteúdo do que algumas pessoas que encontramos por ai.

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