Um pouco sobre minha Mãe

Neuza Maria da Silva tem uma vida boa hoje, compra o que quer, come o quer, fala o que quer. Mas, se contar tudo que passou para chegar a sua pacata vida no vilarejo de Manejo, em Lima Duarte, talvez dê um livro. Mas, vou tentar resumir um pouco segundo seus próprios relatos. 

Neuza sempre foi trabalhadora, e aos 9 anos já trabalhava em casa de família, na casa de um alemão. Lá viveu algumas experiência que a ajudariam a se tornar um futura mulher forte e aguerrida. A primeira delas foi um acidente de carro, do qual até hoje carrega uma cicatriz, que, toda vez que a olho ou acaricio sinto um certo temor por ter sido impedido de ser seu filho pela imprudência de um motorista bêbado. Dormia em uma cama com suas duas irmãs e uma adorável porquinha.

Na alta juventude, foi morar no Manejo com sua irmã mais velha, bem mais velha aliás, a qual considerava como uma mãe, já que esta a deixou ainda em sua tenra idade. Nessa época conheceu o João, sujeito malandro metido em uma calça branca e de papo leve. Casaram-se algum tempo depois e nasceu sua menina, a Flávia, que seria sua companheira de sempre. Nessa época moravam em Benfica, em Juiz de Fora, o "melhor lugar onde morou", como gosta de dizer, sempre que se indispõe com algum vizinho. Lá também nasceu seu filho do meio, o que mais deu trabalho, porém o mais adorado (e isso não é papo de ciumento, toda mãe tem um) dos três.

Depois do nascimento do terceiro filho, que vos escreve, sua vida entrou em um momento difícil, reflexo da crise econômica brasileira do final da década de 80 e início da década de 90. Aí foi o momento de ser a mulher guerreira que nasceu para ser. Neuza criou seus filhos praticamente sozinha, já que seu marido trabalhava fora e só comparecia dois finais de semana por mês. Mesmo que não tenha sido um pai ausente e que tenha sua parcela na criação dos filhos, a mãe foi a que enfrentou todas as barras que o amadurecimento de adolescentes pode proporcionar. 

Enfrentou cafezais, sendo transportada em caminhões sem segurança alguma. Encarou a geada da manhã, o almoço frio, e as próprias limitações físicas, já que não era nenhuma garota à época. Tudo isso por sua vontade de dar a seus filhos alguma qualidade de vida, nem que fosse uma alimentação de qualidade. Às vezes, quando suas forças falhavam e meu pai ganhava muito pouco, se virava para nos dar o que comer, mesmo que isso fosse apenas macarrão com pimentão. Em meio toda as dificuldades da vida, sempre acompanhei com muita angústia as noites em que ela passava em claro, fumando seu cigarro de palha e rindo de devaneios que não a deixavam descansar. 

Entretanto, quando vieram os anos 2000, algumas coisas mudaram, e seu Ederzinho entrou para o quartel, engajou, se tornou cabo e mandou arrumar a casa, que aos poucos ruía. Menos uma preocupação em sua cabeça (já que ela tem muito medo de chuva, apesar de jurar de pés juntos que não). Em 2004 teve uma grande surpresa quando seu marido resolveu parar de beber. Afastado do trabalho devido a problemas cardíacos, ele se dedicava à casa e a ela, como a décadas não acontecia. Tudo ótimo? Ainda não.

Um ano mais tarde sofreu seu primeiro grande baque. João tombou, internado com uma suposta pneumonia, que um mês depois se confirmava um câncer de pulmão e uma semana depois jazia em seu túmulo no cemitério do Manejo. Neuza sofreu, entrou em depressão. Como superar a perda de um parceiro de uma vida? Aquilo não lhe parecia justo. Mas, ao invés de se entregar ela decidiu seguir em frente. Atirou um cigarro pela janela para nunca mais colocá-lo entre os dedos novamente. Recuperou a alegria, as brincadeiras bobas voltaram. Viu seus filhos se formarem, um se casar, e aos poucos irem tomando rumo.

Aí veio o segundo baque. Sua irmã mais velha, sua segunda mãe se foi. Perdeu o chão e o controle de sua glicose. Mas, absorveu a pancada, e rapidamente entendeu que a vida é assim, as pessoas vivem e morrem, isso é natural. Decidiu continuar vivendo, comendo bem, aproveitando sua vida e de vez enquanto se preocupando com os filhos, pois não seria mãe se não o fizesse. Reza, ri, assiste O Senhor dos Anéis dezenas de vezes. Faz brincadeiras bobas com sua companheira de sempre, a Flávia. E apesar de toda a saudade de seus entes e às vezes achar que o copo está meio vazio, vive uma vida feliz.

Ao olhar em seus olhos sinceros, talvez ninguém consiga imaginar que aquela mulher já enfrentou muita coisa, sofreu como poucas. Mas estranhamente não se vê o sofrimento guardado ali. Dona Neuza ensinou a mim e aos meus irmãos a não levar desaforo para casa, não pegar nada de ninguém, não desrespeitar os mais velhos, a não comer manga e beber leite, e principalmente que tudo o que o destino nos impõe pode ser dobrado e colocado de lado. Para mim será sempre minha heroína, a pessoa que formou meu caráter e que me disse uma vez que ninguém seria melhor do que se eu não aceitasse. Por isso eu a amo.

E  isso é apenas um pouco sobre minha mãe.

P.S.: Hoje, 08/05/16, depois de terminado este texto, Dona Neuza veio a perder mais uma de suas irmãs. Tia Graça, a qual não via a décadas, mas mantinha contato por telefone, faleceu vítima de um ataque cardíaco. Minha mãe sofreu,(era a que defendia ela das coças da minha avó) e sofrerá por alguns dias. Mas, tenho certeza que superará, e estará pronta para continuar sempre em frente, digno da guerreira que é.




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