Saudade da Morena


Wanessa estava atenta aos sinais. Ao ir para a academia logo pela manhã, o recado estava no poste de energia a apenas alguns metros de sua casa. Pela janela da condução, que a levava de Benfica ao centro, dezenas daquelas mensagens espalhadas em muros e placas de sinalização. Na parede externa de seu trabalho, também. Pelas ruas, prédios e até carros, alguém estava querendo lhe falar e só agora, finalmente ela entendeu.

Era daquelas morenaças, voluptuosa, bonita, porém um tanto arrogante. Sempre bem vestida em alguma coisa que valorizasse suas curvas. Óculos brilhantes, batom impecável e exalando um cheiro amadeirado do último perfume lançado pela marca famosa. Metida à besta. Não dava trela a qualquer malandro com a conversa mole. Havia namorado meia dúzia de boyzinhos, dos mais variados estilos. O homem tinha que ser tudo aquilo que ela admirava: honesto, romântico e bonito também. Todavia, seus próprios defeitos os afastavam.

Diziam que seu narcisismo, egoísmo e megalomania minavam qualquer relação. Todos a deixaram, apesar de serem apaixonados por ela e terem o sentimento correspondido. Não dava, ela teria de mudar, senão todos seus romances estariam fadados ao fracasso. Ficaria só, como algumas de suas tias. Esse pensamento a assustava e a sufocou tanto que decidiu se renovar, sair daquela casca e se tornar a pessoa que um dia havia sido, amável e tolerante.

Agora, estava entendendo os sinais. Algum de seus ex-namorados estava deixando os recados para que ela entendesse que ele a queria de volta. “Saudade da Morena”! Só poderia ser ela, quem mais? Precisava descobrir qual ex era o autor daquele clamor para que reatassem. Por que não iam direto ao assunto? Talvez achando que ela estive em outra. Não estava! Ligou para todos. Quatro estavam em outros relacionamentos e um estava morando em São Paulo há dois anos. O último tinha se descoberto gay e deu uma gargalhada quando ela lhe revelou toda a trama. Ao menos ganhou um amigo. Mas... se algum deles mentiu? Quisesse que ela provasse sua mudança e obstinação?

Começou a fazer vigília pela janela de seu quarto toda noite. Um muro liso recém-pintado logo do outro lado da rua esperava pelo recado. Obviamente que o autor iria imprimir uma mensagem ali, de frente à sua janela. Meses se passaram sem nada acontecer. Talvez precisasse melhorar ainda mais. Deixou de lado o narcisismo, conservava apenas uma vaidade normal, que todos deveriam ter. Começou a tratar todos com gentileza, passou a valorizar mais amizades verdadeiras e a olhar as pessoas como elas realmente são. Por um ano se tornou a mulher que faria qualquer homem feliz.

Em uma noite qualquer ouviu um barulho. Uma figura soturna espirrava o spray sobre o muro branco. Desceu correndo as escadas de pijamas, atravessou a rua deserta e surpreendeu o grafiteiro. O rapaz se assustou. Ameaçou correr, mas ficou curioso com a figura descabelada que examinava seu rosto. Não era nenhum de seus ex-namorados. Apenas um rapaz replicando o que havia visto por aí, sem saber bulhufas o que significava. Riram, trocaram telefone e depois namoraram. 

Wanessa hoje é casada e feliz. Uma pessoa muito melhor do que aquela que espantava não só os namorados, como também todos que conviviam com ela. Recuperou a doçura e simplicidade que faz das pessoas uma inspiração para outras mais jovens. Enfim, percebeu que aqueles sinais não faziam sentido algum e nem eram para ela. Entretanto, se tornou a morena que deixaria qualquer um com saudade. Quanto ao “Saudade da morena” que ainda se vê por aí? Não faço a mínima ideia do que seja.

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