Crônicas da saudade: O adeus à terra encantada
Aquela sexta-feira foi diferente.
Anormal para alguém que raras vezes passava mal. O ar lhe faltava e a gripe
anunciada aos familiares estava mais forte do que pensava, aliás, jamais havia
se sentido tão combalido. Filhos e esposa estavam assustados, devido nunca terem
visto fraquejar frente a nada. A dor nas costas também o incomodava. A decisão
foi difícil, porém inevitável. Levantou-se da cama, começou a se trocar, se
sentiu tonto, sentou-se.
Dona Neuza entrou em uma roupa com tanta rapidez que
nem ele percebeu quando a esposa o apressou para não perder o ônibus. Saíram
pelos fundos, para evitar olhares curiosos. Dona Neuza sempre foi contra dar
satisfações de sua vida para o outros. Não conseguiram fazer com que seu fiel
cão de estimação ficasse para trás. Na caminhada da casa até o ponto do ônibus,
que era curta, porém naquele momento lhe pareceu uma eternidade, se lembrou de
grandes histórias que viveu em sua terra encantada.
O Manejo era seu reduto,
onde se sentia livre das atribulações da vida de assalariado nas grandes
cidades. Mas, naquele pequeno calvário algo lhe ocorreu, uma súbita sensação de
que não mais voltaria a sentir aquela brisa gelada das manhãs, que faziam dos
verões agradáveis e dos invernos intimidadores. Dos jogos aos domingos em que
torcia fervorosamente para seu filho mais velho fazer mais um gol. Da casa de
sua mãe, onde religiosamente tinha de passar uma vez pela manhã e outra à
noite. Dos amigos nos botequins e os jogos de sinuca, que quase sempre perdia,
mas nunca desistia. De sua casa, seu cantinho do sofá, das tardes na escada do
paiol com Nego a seus pés.
De repente acordou do devaneio com o barulho do
ônibus. Antes de subir deu uma última olhada à sua terra encantada, ao seu
companheiro que nunca mais teria sua cabeça afagada pelo dono. Entrou, se
sentou e em meio à respiração nervosa teve a sensação que jamais voltaria a ver
tudo aquilo de novo. E não viu.
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