O dia em que meu irmão morreu!


Um dia, meu irmão morreu! Calma, todos sabem que não.

Foi em uma manhã qualquer em que recebi uma fake news das antigas, a boataria boca a boca de lugarejo minúsculo, que a cada interlocutor que encontra, é editada de forma a chocar da pior forma possível quem a ouve. Após o café da manhã, há uns 20 anos atrás, saí para o passeio matinal de um dia sem aula. Encontrei um ou dois amigos, conversamos as bobagens de sempre. Eis que um senhor me surpreende com um “Uai, não foi você que morreu?”. A primeira reação foi abrir um sorriso e debochar da insensatez do homem que duvidava de seus olhos. Mas o que veio depois se tornou numa das piores coisas que me aconteceu. “Então foi o irmão dele mesmo”, disse outro, de supetão.

Sem entender, indaguei. Os dois me relataram o acontecido, pouco menos de uma hora atrás. Segundo eles, meu irmão, o “Cuiquinha”, estava bobeando de bicicleta perto da ponte do Bananal quando um carro o acertou, ou melhor, “o quebrou”, e havia sido levado para a “Cotrel”, mas, “já morto”. Levei um choque. Sério? Senti a garganta seca, minhas pernas bambearam. O coração batia forte. Sem querer saber mais nada, saí em disparada até o local do dito acidente, a uns 500 metros de onde estava, na rodovia. O baque foi tão forte que nem lembro quem me acompanhou, teve um alguém sim e peço desculpas se foi você que está lendo.

No caminho, uma senhora me cercou, “ai meu deus, já contaram pra Neuza? Quer que eu vou lá falar?”. Nem lembro o que respondi. Só sei que acelerei o passo, não sei na esperança de ver o quê. Mas tinha de ir lá ver a tal “poça de sangue” que os senhores haviam me falado. Naquele momento pensei em minha mãe e em como ela receberia tal notícia. Provavelmente morreria também. Lógico, perder um filho, ainda mais o que ela tinha (tem) mais apego... Enfim, cheguei e... nada. Sem poça de sangue, sem sinal de que algum acidente pudesse ter acontecido ali. Não sabia se ficava aliviado ou mais preocupado. Foi quando ouvi um assovio.

Lá estava meu irmão! Balançando os braços de fora da casa do Seu Arismar. Novamente, não lembro das outras pessoas, não sei se era o Neném, o Wellington ou Emerson, mas tinha alguém com ele. Caminhei devagar, com uma vontade absurda de chorar, de alegria, alívio. Se até hoje não passa por minha cabeça a possibilidade de perder um irmão, imagina com uns 12 ou 13 anos. Quando cheguei, constatei que realmente algo havia acontecido. Roda da bicicleta em forma de oito, calcanhar e bunda lascadas. Com uma fala embargada, explicou que estava, realmente “bobeando” na rodovia, quando foi atingido por um carro da polícia rodoviária. “O cara freou a tempo”, salvou sua pele e lhe passou um pito. Recusou a ida ao hospital, mais por vergonha do qualquer outra coisa. Enfim ralado, porém vivo.

Chegamos a tempo de nossa mãe saber alguma notícia que a mortificaria. Amuou o restante do dia, talvez pensando que poderia não estar mais ali por um segundo de vacilo. A mim, que depois debochei da situação (a gente sempre debocha), ficou o horror que senti em imaginar que poderia ter que enfrentar o resto de minha juventude sem meu irmão. Hoje, lembrando-me do episódio, sequer consigo pensar na possibilidade de não ter tido ele aqui, sendo o chefe da família quando esta perdeu seu titular. O dia em que meu irmão morreu, na verdade, foi o dia em que ele renasceu para ser, de fato, a pedra fundamental na vida de nossa família.

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